da Folha Online
Já imaginou você sentado confortavelmente numa poltrona, no escurinho do cinema, comendo sua pipoca, assistindo a uma seqüência de uma batalha no espaço das do tipo "Guerra nas Estrelas" e nenhum som saindo das potentes caixas de áudio digitais da sala? Pois é. Se os preceitos da ciência fossem considerados nos roteiros e nos sets de filmagens, certamente você não ouviria nada, mesmo que uma nave gigante explodisse. Isso ocorre pois as explosões não fazem barulho algum no espaço.
Segundo o físico Marcelo Gleiser, colunista do suplemento "Mais!" da Folha de S. Paulo, não só essa como várias outras cenas clássicas de filmes; tais como degelos gigantes de calotas polares e homens sendo lançados à lua por meio de tiros de canhões, não existiriam.
Divulgação |
Volume traz reflexões sobre o homem, o tempo e o espaço |
Gleiser é autor de Micro Macro 2 - Mais Reflexões Sobre o Homem, o Tempo e o Espaço, lançado pela Publifolha.
O título segue a mesma proposta do primeiro volume, Micro Macro - Reflexões Sobre o Homem, o Tempo e o Espaço, lançado em 2005; o de disseminar os conceitos da divulgação científica atingindo ao mesmo tempo aqueles que não possuem muita intimidade com assunto, sem descontentar os já iniciados nos temas abordados.
Leia abaixo a coluna "Ciência e Hollywood". O texto pode ser lido também na versão eletrônica da Folha de S. Paulo (só para assinantes).
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Ciência e Hollywood
Infelizmente, é verdade: explosões não fazem barulho algum no espaço. Não me lembro de um só filme que tenha retratado isso direito. (Pode ser que existam alguns, mas se existirem não fizeram muito sucesso.) Sempre vemos explosões gigantescas, estrondos fantásticos. Para existir ruído é necessário um meio material que transporte as perturbações que chamamos de ondas sonoras. Na ausência de atmosfera, ou água, ou outro meio, as perturbações não têm onde se propagar. Para um produtor de cinema, a questão não passa pela ciência. Pelo menos não como prioridade. Seu interesse é tornar o filme emocionante, e explosões têm justamente este papel; roubar o som de uma grande espaçonave explodindo torna a cena bem sem graça. Recentemente, o debate sobre as liberdades científicas tomadas pelo cinema tem aquecido. O sucesso do filme O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow) faturando mais de meio bilhão de dólares e seu cenário de uma idade do gelo ocorrendo em uma semana em vez de décadas ou, melhor ainda, centenas de anos, levantaram as sobrancelhas de cientistas mais rígidos que vêem as distorções com desdém e esbugalharam os olhos dos espectadores (a maioria) que pouco ligam se a ciência está certa ou errada. Afinal, cinema é diversão.
Tudo começou em 1902, quando o francês Georges Méliès dirigiu o curta Uma Viagem à Lua. No filme, seis aventureiros chegam até a Lua em uma cápsula disparada por um canhão. Após sua chegada, os tripulantes são raptados por habitantes lunares com intenções nada amistosas. Os heróis escapam, empurram a espaçonave da beira da Lua de modo que ela caia sobre a Terra, bem sobre o Oceano Atlântico. Tudo no filme está errado, claro. A aceleração de um tiro de canhão potente o suficiente para levar pessoas até a Lua as mataria quase que imediatamente. Cair da Lua é impossível. Desconto a questão dos habitantes lunares, pois na época isto não era sabido. Este filme, o primeiro de uma nobre linhagem indo até O Dia Depois de Amanhã, exagera, inventa ciência para criar um enredo emocionante. A questão então é o que devem fazer os cientistas a respeito, se é que devem fazer algo. Cabe a eles tentar "consertar" a ciência dos filmes, escrevendo cartas e artigos sobre o assunto? Será que faz sentido criticar a indústria cinematográfica pelos erros crassos?
Até recentemente, defendia a posição mais rígida, que filmes devem tentar ao máximo ser fiéis à ciência que retratam. Claro, isso sempre é bom. Mas não acredito mais que seja absolutamente necessário. Existe uma diferença crucial entre um filme comercial um documentário científico. Óbvio, documentários devem retratar fielmente a ciência, educando e divertindo a população. Filmes não têm um compromisso pedagógico. As pessoas não vão ao cinema para serem educadas, ao menos como via de regra. Claro, filmes históricos ou mesmo aqueles fiéis à ciência têm enorme valor cultural. Outros educam as emoções através da ficção. Mas se existirem exageros, eles não devem ser criticados como tal. Fantasmas não existem, mas filmes de terror sim. Podese argumentar que, no caso de filmes que versam sobre temas científicos, as pessoas vão ao cinema esperando uma ciência crível. Isso pode ser verdade, mas elas não deveriam basear suas conclusões no que diz o filme. No mínimo, cinema pode servir como mecanismo de alerta para questões científicas importantes: o aquecimento global, a inteligência artificial, a engenharia genética, as guerras nucleares, os riscos espaciais como cometas ou asteróides etc. Mas o conteúdo não deve ser levado ao pé da letra. A arte distorce para persuadir. E o cinema moderno, com efeitos especiais absolutamente espetaculares, distorce com enorme facilidade e poder de persuasão.
O que os cientistas podem fazer, e isso está virando moda nas universidades norte-americanas, é usar filmes nas salas de aula para educar seus alunos sobre o que é cientificamente correto e o que é absurdo. Ou seja, usar o cinema como ferramenta pedagógica. Os alunos certamente prestarão muita atenção, muito mais do que em uma aula convencional. Com isso, será possível educar a população para que, no futuro, um número cada vez maior de pessoas possa discernir o real do imaginário.
Infelizmente, é verdade: explosões não fazem barulho algum no espaço. Não me lembro de um só filme que tenha retratado isso direito. (Pode ser que existam alguns, mas se existirem não fizeram muito sucesso.) Sempre vemos explosões gigantescas, estrondos fantásticos. Para existir ruído é necessário um meio material que transporte as perturbações que chamamos de ondas sonoras. Na ausência de atmosfera, ou água, ou outro meio, as perturbações não têm onde se propagar. Para um produtor de cinema, a questão não passa pela ciência. Pelo menos não como prioridade. Seu interesse é tornar o filme emocionante, e explosões têm justamente este papel; roubar o som de uma grande espaçonave explodindo torna a cena bem sem graça. Recentemente, o debate sobre as liberdades científicas tomadas pelo cinema tem aquecido. O sucesso do filme O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow) faturando mais de meio bilhão de dólares e seu cenário de uma idade do gelo ocorrendo em uma semana em vez de décadas ou, melhor ainda, centenas de anos, levantaram as sobrancelhas de cientistas mais rígidos que vêem as distorções com desdém e esbugalharam os olhos dos espectadores (a maioria) que pouco ligam se a ciência está certa ou errada. Afinal, cinema é diversão.
Tudo começou em 1902, quando o francês Georges Méliès dirigiu o curta Uma Viagem à Lua. No filme, seis aventureiros chegam até a Lua em uma cápsula disparada por um canhão. Após sua chegada, os tripulantes são raptados por habitantes lunares com intenções nada amistosas. Os heróis escapam, empurram a espaçonave da beira da Lua de modo que ela caia sobre a Terra, bem sobre o Oceano Atlântico. Tudo no filme está errado, claro. A aceleração de um tiro de canhão potente o suficiente para levar pessoas até a Lua as mataria quase que imediatamente. Cair da Lua é impossível. Desconto a questão dos habitantes lunares, pois na época isto não era sabido. Este filme, o primeiro de uma nobre linhagem indo até O Dia Depois de Amanhã, exagera, inventa ciência para criar um enredo emocionante. A questão então é o que devem fazer os cientistas a respeito, se é que devem fazer algo. Cabe a eles tentar "consertar" a ciência dos filmes, escrevendo cartas e artigos sobre o assunto? Será que faz sentido criticar a indústria cinematográfica pelos erros crassos?
Até recentemente, defendia a posição mais rígida, que filmes devem tentar ao máximo ser fiéis à ciência que retratam. Claro, isso sempre é bom. Mas não acredito mais que seja absolutamente necessário. Existe uma diferença crucial entre um filme comercial um documentário científico. Óbvio, documentários devem retratar fielmente a ciência, educando e divertindo a população. Filmes não têm um compromisso pedagógico. As pessoas não vão ao cinema para serem educadas, ao menos como via de regra. Claro, filmes históricos ou mesmo aqueles fiéis à ciência têm enorme valor cultural. Outros educam as emoções através da ficção. Mas se existirem exageros, eles não devem ser criticados como tal. Fantasmas não existem, mas filmes de terror sim. Podese argumentar que, no caso de filmes que versam sobre temas científicos, as pessoas vão ao cinema esperando uma ciência crível. Isso pode ser verdade, mas elas não deveriam basear suas conclusões no que diz o filme. No mínimo, cinema pode servir como mecanismo de alerta para questões científicas importantes: o aquecimento global, a inteligência artificial, a engenharia genética, as guerras nucleares, os riscos espaciais como cometas ou asteróides etc. Mas o conteúdo não deve ser levado ao pé da letra. A arte distorce para persuadir. E o cinema moderno, com efeitos especiais absolutamente espetaculares, distorce com enorme facilidade e poder de persuasão.
O que os cientistas podem fazer, e isso está virando moda nas universidades norte-americanas, é usar filmes nas salas de aula para educar seus alunos sobre o que é cientificamente correto e o que é absurdo. Ou seja, usar o cinema como ferramenta pedagógica. Os alunos certamente prestarão muita atenção, muito mais do que em uma aula convencional. Com isso, será possível educar a população para que, no futuro, um número cada vez maior de pessoas possa discernir o real do imaginário.
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