Dupla usou supercomputador para simular futuro do Sistema Solar.Chance de 'bagunça' é de 1% nos próximos 5 bilhões de anos.
Salvador Nogueira Do G1, em São Paulo
A conclusão do estudo é de lascar. Ou melhor, de Jacques Laskar, astrônomo do Observatório de Paris. Ele e Mickael Gastineau realizaram uma ambiciosa simulação de computador para mostrar o destino dos planetas do Sistema Solar ao longo dos próximos 5 bilhões de anos -- tempo de vida estimado do Sol antes de se tornar uma gigante vermelha. E o resultado é que existe 1% de probabilidade de que ocorra uma bagunça grande entre os chamados planetas terrestres: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Em muitas dessas simulações catastróficas, a Terra se dá muito mal.
Concepção artística de uma colisão entre a Terra e Marte (Foto: CNRS/Divulgação)
Os pesquisadores fizeram 2.501 simulações do futuro do Sistema Solar. Como a dinâmica gravitacional entre os diversos corpos é muito complexa, fazer um cálculo sobre o que vai acontecer nos próximos 5 bilhões de anos é extremamente difícil. Somente com aproximações e integrações, feitas por supercomputadores, é possível chegar a alguma conclusão. No caso, a dupla usou o supercomputador JADE, do Centro de Computação Nacional Francês (Cines). Os resultados, na verdade, foram animadores. Na imensa maioria das circunstâncias, todos os planetas seguirão girando obedientemente em órbitas muito similares às atuais, até o Sol atingir o seu triste fim. Entretanto, em cerca de 1% das simulações, um fato desagradável aconteceu: uma interação específica entre Júpiter e Mercúrio fez com que o pequenino planeta, o mais próximo do Sol, adotasse uma órbita altamente achatada. E, quando isso acontecia, a chance de bagunça generalizada entre os planetas terrestres aumentava muito. Quando o resultado imediato desse achatamento era uma colisão entre Mercúrio e o Sol, ou Mercúrio e Vênus, o problema ficava contido por ali. Mas, se por acaso essa órbita achatada durasse tempo suficiente, podia levar a colisão de Vênus ou Marte com a Terra! Várias simulações desse evento mostraram problemas para o nosso planeta. Numa delas, por exemplo, o achatamento acentuado da órbita de Mercúrio resultava numa interação entre os planetas que levava Marte, em 3,4 bilhões de anos, a ficar a apenas 794 km da Terra -- distância que, ainda que não destruísse o planeta, seria suficiente para devastá-lo, pelo efeito de maré violento resultante do encontro celeste. Em versões alternativas, Marte chegou a colidir com a Terra, ou até mesmo ser completamente ejetado do Sistema Solar. Os únicos planetas a ficarem impassíveis diante da bagunça eram os gigantes -- Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Esses têm 100% de segurança pelos próximos 5 bilhões de anos. Os outros quatro terão de se contentar com 99%. Uma boa notícia Para os cientistas, o resultado na verdade se traduz de forma positiva. Simulações mais antigas, que não levavam em conta a teoria da relatividade geral de Einstein na hora de calcular as órbitas, levavam a muito mais instabilidade. "Sem a relatividade geral, mais de 50% das simulações apresentam instabilidades", disse ao G1 Jacques Laskar. "Com a relatividade, só 1% das órbitas ficam altamente instáveis." Os resultados também foram encarados de forma otimista por Gregory Laughlin, astrônomo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz que comentou o estudo para o periódico científico "Nature". "Em meio a uma aparentemente infinita torrente de notícias econômicas e ambientais ruins, um despacho do campo da dinâmica celeste soa definitivamente alegre", escreveu. "O trabalho mostra que as órbitas dos planetas terrestres têm 99% de chance de manter seu ritmo de relógio bem ordenado atual pelos 5 bilhões de anos que restam antes que o Sol evolua para uma gigante vermelha e engula todo o Sistema Solar interior."