Num dia no Outono passado, João, um amigo de longa data, fez-me companhia à beira-mar durante um fim do pôr do Sol particularmente colorido ao som das ondas do mar bater contra os rochedos. João não liga muito a tais espectáculos audiovisuais ao natural e decidiu romper a contemplação da paisagem com uma pergunta, "O que sabes dos teus vizinhos lá ao pé da tua casa? Conhece-os?". Não reflecti muito, respondi que mal sabia quem eram e acrescentei à resposta um algo típico "Porquê?". Sei que os seus pensamentos davam passos largos e preparava-me para uma explicação complexa, a qual, para variar tão complexa nem ficou. "Sabes", disse ele após uma pequena pausa de hesitação, "olhamos para o Sol que está longíssimo, ou para o horizonte, também longe, mas nada sabemos do solo sobre o qual estamos sentados. As pessoas lêem jornais para se emocionar diariamente com o que aconteceu a pessoas totalmente desconhecidos num qualquer país distante, sem possibilidade alguma de intervenção, mas geralmente quase nada sabem dos seus vizinhos directos." Apesar de não ler jornais nem ver ou ouvir telejornais, tive que admitir que, no que toca a minha vizinhança ele tinha plena razão. Sei que uns tem um cão que ganhava em qualquer disciplina olímpica que envolvesse maratonas de ladrar, ou de outro que sai da casa lá pelas 4 da manhã. Se quisesse saber as últimas coscuvilhices também sei a quem me podia dirigir, e há ainda, umas casas mais à frente, uma família que tão numerosa é, que podia declarar-se república autónoma. Mas também reconheço, que isso é totalmente superficial e aleatório, e de facto nada sei do que se passa nas minhas imediações.
Entretanto, o céu à beira-mar perdeu gradualmente a sua coloração e, acima das nossas cabeças, assumiu uma mistura de azul a ser sugado por algo escuro e difuso. Deixando o olhar vagar, consegui vislumbrar a luta da luz de uma estrela a querer fazer-se prevalecer sobre a luz do dia definhando. Luta, que se sabe, iria ganhar tanto naquele como em todos os outros dias, haja quem olhe ou não.
Ao ver esta estrela lembrei-me da minha condição de astrónomo. Olhamos para estrelas que estão a centenas ou milhares de anos-luz. Estudamos galáxias, cuja luz que nos atinge agora, saiu delas quando a Terra nem sequer tinha continentes como os nossos mapas hoje fazem crer e ver. Até analisamos e preocupamos-nos com as ondas de luz que, supostamente, provêm de tão longe e que percorreram tanto tempo para nos alcançar, que devem ter nascido na altura em que o Universo nasceu, pois não é possível olhar para além desse ponto. Mas o que sabemos dos nossos vizinhos estelares? João apenas tem um conhecimento tangencial dos astros, mas disse, "Bem, há a tal Alfa Centauri que é a mais próxima, não é? Acho isso quase toda gente sabe."
Próxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol é a estrela avermelhada no centro da imagem. Crédito: P-DSS/UAA. Na realidade, não é bem assim. E assim também expliquei. Se mantivermos a analogia com a vizinhança terrestre, isto é pessoas, a casa do lado é ocupada por uma família de três cabeças. O nome de família seria Alfa Centauri, sim, mas é uma delas que é mais próxima de nós, e por isso dá pelo nome de Próxima Centauri. As duas outras estrelas tem nomes menos prosaicos, e passam por A e B Alfa Centauri, sendo A a mais brilhante da constelação do Centauro. Em conjunto são, portanto, um sistema estelar triplo, o qual gira em torno de um centro de massa comum. Infelizmente, por pouco, esta nossa família estelar vizinha não é observável em Portugal, pois fica, na melhor ocasião, um niquinho por baixo do horizonte.
"Então, qual é a estrela mais próxima que podemos ver?" inquiriu João. Respondi "Visível a olho nu, seria Sirius, a estrela mais brilhante do nosso céu. Nasce pela meia noite no Outono e é facilmente observável ao anoitecer no Inverno."
"As estrelas mais perto de nós são portanto as mais brilhantes?". Esta conclusão de a luminosidade ser indicador de proximidade também tiveram os cientistas do século XIX, mas na realidade não é assim. Se todas as estrelas fossem realmente iguais, isto é mesmo tamanho, mesma luminosidade absoluta (isto é, intensidade da luz visto a uma distância padrão), o seu brilho aqui na Terra seria de facto um sinal para deduzir a distância. Mas as estrelas não são iguais. Bem pelo contrário.
A nossa vizinhança cósmica local é apetrechada de estrelas de todos os tipos. Há a dita Sirius, uma estrela gigante bastante quente, o que, dada a sua proximidade, a torna tão luminosa no nosso céu. Sirius, a que também se dá pelo nome de Estrela do Cão também não é só uma estrela. Vem acompanhada por uma estrelinha tão próxima que não pode ser directamente vista em telescópios. Essa companheira dá pelo nome de Sirius B...ou mais carinhosamente por Cachorrinho. Por outro lado, Procyon, outra estrela vizinha a 11 anos-luz de distância, é apenas ligeiramente mais quente que o Sol, mas é facilmente observável a olho nu. Fica uns seis dedos a esquerda (leste) de Sirius e é a estrela mais brilhante a seguir a esta.
Entre a estrela mais próxima, a tal da família dos Alfa Centauri, a qual dista 4,2 anos-luz e o casal de cães Sirius A e B com 8,5 anos-luz de caminhada longa, há, todavia ainda uma data de outras estrelas. A mais notória delas é a estrela Barnard e é a segunda estrela mais perto de nós. Bem, é na realidade a quarta mais perto, contando que Alfa Centauri são três estrelas. A notoriedade da estrela Barnard não é por ser brilhante, que não é (mag. 9,5), mas por ser a estrela que mais rapidamente se desloca na nossa esfera celeste. Ao fim e ao cabo, as estrelas não são assim tão fixas como o nome "estrela fixa" queira fazer sugerir. Tudo se mexe nesta nossa galáxia. E embora haja um movimento geral, que é dito, a rotação da nossa galáxia, as estrelas individuais movem-se com velocidades diferentes umas em relação às outras.
Tau Ceti é outra estrela visível a olho nu dentro da constelação de Cetus, a Baleia, a meros 11,8 anos-luz de distância. Isto, à escala urbana, seria ainda dentro do mesmo prédio. Tau Ceti é muito semelhante ao nosso Sol. Um pouco mais frio, mas pelo menos de aspecto e tamanho semelhante. Ligeiramente mais perto ainda fica Epsilon Eridani. Esta é mais fria, mais pequena e mais jovem que o nosso Sol ou que Tau Ceti, portanto bem menos luminoso. Mas como fica mais perto, tanto uma como outra apresentam quase a mesma luminosidade no nosso céu. O que estas duas estrelas da nossa vizinhança tem em comum com o nosso Sol é serem estrelas individuais rodeados por planetas.
Estrela de Luyten, uma anã vermelha vizinha do Sol a cerca de 12,3 anos-luz de distância. Crédito: ESO ODSS. Mas nem todas as estrelas vizinhas são tão facilmente observáveis, seja no nosso como no outro hemisfério da Terra. A grande maioria das estrelas por perto são anãs vermelhas, ou seja, estrelas de baixa temperatura, muito velhas, cuja luz mal chega até cá. Por isso são extraordinariamente difíceis de detectar.
Alias, considerando a amalgama de catálogos estelares com milhões e milhões de estrelas individuais registadas em cada um, devia assegurar que temos todas as estrelas algures por ai catalogadas. Longe disso.
Num redor de 100 anos-luz contamos com mais de 350 estrelas, uma dezena observável com olho nu ou binóculo. Mas pensar que estas vizinhas lá estão e o vão ficar por meia eternidade é engano certo. Para já, o Sol e as estrelas em redor girem em torno do centro da nossa galáxia. Como um rebanho de ovelhas no seu caminho do curral para o pasto, o movimento parece ser em conjunto, mas visto de perto, cada uma o faz com uma velocidade ligeiramente diferente. Portanto, ao longo dos tempos, o Sol ultrapassa umas estrelas mais lentas e é ultrapassado por outras. Há uma certa dinâmica por entre os nossos vizinhos, que infelizmente não é observável ao longo do tempo de uma vida.
A estrela assinalada, DENIS 1048-3965, é uma anã vermelha a cerca de 13,6 anos-luz do Sol e requer telescópios algo potentes para ser fotografada. A série de imagens mostra como esta proximidade permite registar em poucos anos o movimento próprio das estrelas próximas em relação às estrelas de fundo muito mais distantes. O campeão de corrida é a estrela Barnard. Crédito: ESO/DENIS. Ao olhar para cima, há em cada direcção no nosso céu pelo menos uma vizinha do Sol. Algumas dão nas vistas, outras nem se querem fazer notar e é preciso ir à procura delas. Nos últimos 10 anos mais de 40 estrelas novas foram descobertas logo ai ao lado do nosso Sol. É curioso pensar, que a Terra já cá anda há tanto tempo e só agora damos pelo facto de que há ai uns vizinhos que nem se quer são novos no nosso bairro. Em analogia aos vizinhos da minha rua ou do meu bairro, há tantos que é impossível conhecer todos. Mas quando começamos conhecer um ou outro um pouco melhor, veremos que cada um tem uma história própria interessante.
Quanto a coscuvilhice, já sabia que temos ai uma vizinha que não é de cá? Dizem que vem de longe. Apenas 36 anos-luz nos separam de Arcturus, facilmente observável a olho nu, pode ser detectada ao seguir a curva das estrelas da cauda da Ursa Maior (a pega da frigideira) até encontrar a primeira estrela mais brilhante. Arcturus não faz parte do rebanho de estrelas do plano interior do disco da galáxia no qual se encontra o nosso Sol. Arcturus, de facto, vem de longe, como numa queda vertiginosa, provém do halo por cima do disco da Via Láctea, mergulha nele agora, para sair do outro lado num futuro distante. Comparado com as demais estrelas, Arcturus destaca-se por uma velocidade impressionante e passa ao nosso lado como uma bala de pistola que falhou por pouco.
Entretanto, de volta à beira-mar, o frio fez-se sentir. João levantou-se e disse, "Enfim, isto é muito interessante, mas na realidade perguntei, porque, quando cá chegámos, a chave se partiu ao tirar da ignição e, se não conheces nenhum vizinho que seja mecânico, temos de andar a pé para casa." Afinal, havia mais atrás da pergunta inicial dele. O que me faz pensar, se não conheço os vizinhos, será que conheço os amigos?