sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Físicos decifram mistério da origem de raios que bombardeiam a Terra


Ilustração mostra como seria um buraco negro supermaciço, possível fonte dos raios cósmicos mais energéticos (Foto: NASA/JPL-Caltech)


Um grupo internacional de físicos, que conta com participação brasileira, pode ter resolvido um debate de quase 50 anos, dado o primeiro passo para resolver um dos maiores mistérios da astronomia, e, de quebra, inaugurado uma “nova era” da pesquisa espacial. Eles acreditam ter decifrado a origem das mais energéticas partículas que bombardeiam nosso planeta vindas do espaço –- mais de 100 milhões de vezes mais fortes do que qualquer coisa que já vimos aqui na Terra.

O uso de condicionais no parágrafo acima não é à toa. A ciência dos raios cósmicos é tão complexa que é quase impossível afirmar alguma coisa com 100% de certeza. Por enquanto, o que sabemos é isto: diariamente, nosso planeta é bombardeado por raios altamente energéticos vindos do espaço. A grande maioria deles tem origem conhecida: o Sol. Os demais vêm, em grande parte, de outras partes da nossa galáxia. Mas, de tempos em tempos, raios extremamente energéticos chegam por aqui.


Não sabemos onde eles surgem, como surgem, ou como atravessam o espaço e chegam até aqui -– na verdade, não sabemos quase nada. Quase, porque o grupo do Observatório Pierre Auger, na Argentina, acaba de dar o primeiro passo, em um trabalho publicado nesta quinta-feira (8) na revista especializada "Science". Com uma rede de detecção maior que a cidade de São Paulo, eles concluíram pelo menos de onde esses raios superenergéticos não vêm: da nossa galáxia, a Via Láctea.


Suas observações indicam que o local de nascimento dessas partículas está nas galáxias vizinhas, provavelmente nos buracos negros supermaciços, que existem no centro delas. Parece pouco? Pois é muito. Essa é a primeira grande vitória de uma área científica que promete grandes descobertas para o futuro. “O que estamos investigando é o que há de mais interessante e desafiador no campo da física de raios cósmicos”, afirmou ao G1 o brasileiro Carlos Escobar, da Unicamp, que coordena a participação brasileira no projeto.


Um detector do Observatório Pierre Auger, com a Cordilheira dos Andes ao fundo (Foto: Cortesia/Observatório Pierre Auger)
Escobar explica o tamanho do desafio. “Com toda a tecnologia que desenvolvemos ao longo de toda a história da humanidade o máximo que conseguimos produzir é uma partícula 100 milhões de vezes mais fraca que uma vinda de um raio cósmico superenergético. E não temos qualquer perspectiva de irmos muito mais longe que isso”, diz ele. “É uma energia brutal, monstruosa e é impressionante que algo assim ocorra naturalmente. Temos a obrigação de descobrir de onde esses raios vêm e o que eles são”, afirma o físico.


O feito do grupo dá um passo importante para responder essas perguntas ao eliminar uma série de teorias que os cientistas tinham sobre a origem desses raios. Se eles realmente não vêm da Via Láctea, os pesquisadores podem concentrar seus estudos nas vizinhas, que possuam os chamados “núcleos ativos” -– os gigantescos buracos negros citados acima. Vale lembrar que os cientistas acreditam que todas as galáxias possuem buracos negros em seus centros (até mesmo a nossa), mas nem todas têm os buracos supermaciços, que geram quantidades absurdas de energia.

A física de raios cósmicos é uma dor de cabeça para os cientistas, porque investigar qualquer coisa sobre eles é muito difícil e exige muita infraestrutura. Até mesmo os raios vindos do Sol, aqui do lado, são em grande parte um mistério -– que está sendo investigado pela sondas da Nasa e da ESA (Agência Espacial Européia).

Até os raios menos energéticos, que deveriam, pela lógica, ser mais fáceis de estudar as origens, dificultam a vida dos astrônomos. Suas trajetórias são atrapalhadas por basicamente qualquer coisa que cruze o seu caminho. Assim, não dá para saber de onde eles vieram. Os mais energéticos, por serem mais fortes, ignoram os obstáculos e surgem aqui diretamente de seu ponto de origem. No entanto, eles são (bem) mais raros. Em média há apenas um evento por quilômetro quadrado por século. E é por isso que um grande observatório, como o Pierre Auger, foi necessário. O Brasil participa da iniciativa desde seus primeiros momentos, em 1995, com dinheiro, equipamentos e com o trabalho de um grupo de 25 cientistas.

E se você é daqueles que acha que é desperdício de dinheiro estudar astronomia, é bom mudar seus conceitos. “Os raios cósmicos estão extremamente ligados com a vida na Terra. É errado compartimentalizar a natureza. É errado dizer que certas coisas não vale a pena estudar. Os raios cósmicos estão aqui desde que a Terra existe. As partículas que caíram aqui influenciaram a evolução da vida no planeta. Tudo está conectado”, explica Escobar. “E, nenhuma cultura, nenhum país jamais foi prejudicado por saber demais”, conclui.

Fonte: O Globo on line

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