terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A Ciência do Brasil ainda é extremamente suscetível a tudo; tem muito o que amadurecer'

Publicada em 22/01/2008 às 21h43m
Ângela Góes, O Globo Online
RIO - Fechado por falta de recursos no início da semana passada, o Museu do Dinossauro de Peirópolis, no Triângulo Mineiro, foi reaberto em caráter provisório, quatro dias depois, graças a duas parcerias fechadas, na raça, por seu diretor, Luiz Carlos Borges. Mas o futuro do segundo maior sítio arqueológico do Brasil ainda é incerto.
Em entrevista exclusiva ao GLOBO ONLINE, por telefone, o pesquisador que há 17 anos está à frente do centro de excelência em pesquisas paleontológicas prefere não apontar culpados para a situação em que a instituição se encontra, mas não se melindra ao falar do descaso com que a Ciência é tratada no país.
- Quem administra grandes órgãos de pesquisa precisa ter uma visão muito clara da importância da Ciência no país. Mas o que acontece é que, muitas vezes, esses cargos são ocupados por burocratas que desconhecem a importância dos trabalhos e deixam as coisas delegadas a terceiro, quarto planos - dispara ( 'Ou a gente cresce, ou entra em extinção', diz Luiz Carlos ).
O GLOBO ONLINE: Por que o Museu foi fechado? LUIZ CARLOS BORGES: O Museu dos Dinossauros do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, de Uberaba, em Minas Gerais, foi fechado, essencialmente, em função da falta de recursos (R$ 15 mil) para o custo mensal de manutenção, incluindo água, luz, telefone e pagamento de salários. Eu estava de férias e fui chamado em caráter emergencial. Ninguém esperava. A Fundação Municipal de Ensinos Superiores de Uberaba (Fumesu), que mantém o Museu, recebia uma verba mensal da prefeitura de Uberaba de R$ 58.300,00 que deixou de ser repassada. Isso ocasionou um corte drástico. Para não fechar os sete cursos que mantinha, atualmente, a Fumesu decidiu pelo fechamento do Museu e pela demissão de 13 funcionários.
Como foi possível a sua reabertura?
" O grande aporte de recursos veio de uma grande empresa espanhola de construção e operação de linhas de transmissão elétrica "
 
O museu reabriu na sexta-feira por que conseguimos dois parceiros importantes para garantir sua viabilidade econômica num primeiro momento. Um deles é o Departamento de Geologia da UFRJ, liderado pelo professor doutor Ismar de Souza Carvalho, nosso antigo colaborador, que nos ofereceu a sua parte no pagamento de alguns trabalhos que realizamos em conjunto. Mas o grande aporte de recursos veio de uma grande empresa espanhola de construção e operação de linhas de transmissão elétrica. Sediada no Rio de Janeiro, ela está estabelecendo dois projetos em Minas Gerais e nos contratou para realizar consultorias. Isso nos dá um certo alívio, além de fôlego para levar adiante. Mas são recursos temporários, que não resolvem o nosso problema.
Clique aqui para ver fotos do centro de excelência em pesquisas paleontológicas

E qual seria a solução para o problema? Estamos em busca de novas parcerias e doações que nos ajudem a arcar com os gastos dos próximos meses para que possamos levar com tranqüilidade todos os projetos atualmente em andamento e honrar todos os compromissos já fechados. Mas a consolidação [da nossa situação] só virá com auto-suficiência financeira. Se tivermos fôlego até fim do ano, em 2009 teremos cenário mais propício para conquistar a autonomia definitiva de que o Museu precisa.
O Museu pode vir a fechar de vez? O Museu, hoje, já tem projeção nacional e internacional, então acredito que não fique fechado. Mas pode ficar aberto parcialmente, numa situação de só explorar o turismo, deixando de lado a parte científica. Neste caso, com o tempo, por inanição, ele provavelmente irá à extinção. Isso porque, é o centro de pesquisas que gera as informações que, traduzidas em linguagem popular, são exploradas dentro do Museu. Interrompidos os estudos, pára-se de alimentar essa cadeia. Sem novidades, o Museu não cria novos motivos para visitação. Ou seja, na minha opinião, manter o Museu achando que ele, por si só, sobrevive, é uma visão equivocada. Em pouco tempo, ele perderá sentido.
Qual a importância do Centro de Pesquisas e do Museu? O centro é a única instituição no Brasil que mantém uma equipe que vai a campo todos os anos, por 4 a 5 meses, buscar novos achados. É isso que dá ao centro credibilidade nacional e internacional. É praticamente o único local onde existe este trabalho sistemático de escavação paleontológica. Graças a isso, em 15 anos conseguimos reunir coleção de 2.500 exemplares fósseis, envolvendo dinossauros herbívoros, carnívoros, crocodilos, tartarugas, anfíbios, invertebrados, plantas. Nesses 15 anos isso gerou 85 publicações científicas; auxiliou a execução de 8 dissertações de mestrado e 7 teses de doutorado; com forte participação da UFRJ através do Departamento de geologia que sistematicamente trabalha conosco.
Quem mais perderia com a 'extinção' do Museu dos Dinossauros? Perde a Ciência do Brasil, perde a Educação do Brasil, e perde, muito, a comunidade de Peirópolis, que vai ser socialmente e economicamente massacrada. Hoje, cerca de 250 pessoas vivem em função do Museu.
" A comunidade de Peirópolis, que vai ser socialmente e economicamente massacrada. Hoje, cerca de 250 pessoas vivem em função do Museu "
 
Existe perda também para a preservação. O país não apenas perde de vez a chance de ver a região tombada como patrimônio da humanidade, como já é o caso de Araripe, no sul do Ceará, como corre o risco de ver seu patrimônio lapidado, extraviado. Isso por que, na inexistência do Museu, os jazigos fósseis ficariam abertos a aventureiros dispostos a coletar fósseis, o que poderia abrir precedentes para a venda de material de valor científico inestimável. É uma situação caótica, que eu não gosto nem de imaginar.
Qual o caminho a ser trilhado agora? Não tenho a intenção de achar culpados, mas de apontar soluções. O mais importante já foi executado: o museu está reaberto. Agora, nossa meta é ser um centro de excelência, não só em pesquisa, mas em gestão financeira. Precisamos conseguir R$ 15 mil mensais, garantir a nossa sobrevivência, até que conquistemos a auto-suficiência. Ou vamos voltar a ter problemas. Por que da parte da Prefeitura de Uberaba já foi sinalizado que não pode ser investido nada, da Fumesu também não vai ser investido nada. Então, nós vamos ter que viver com as próprias pernas. Neste momento, sou obrigado a ter uma visão empresarial. Ou a gente cresce, ou entra em extinção.
" Não tenho a intenção de achar culpados, mas de apontar soluções. O mais importante já foi executado: o museu está reaberto "
 
Essa crise vai ter que servir como injeção de ânimo. Temos que apostar todas as nossas fichas nos projetos em andamento, para crescer, ampliar as escavações e aumentar a nossa equipe, a fim de investir pesado no turismo dos fósseis, que é o que vai nos garantir a sustentabilidade, a médio e longo prazo.

E se o plano não der certo? Eu tenho fé de que o nosso desafio de conseguir auto-suficiência para os próximos meses será alcançado. Mas caso a gente falhe, devolvemos a estrutura do Centro e do Museu para a Prefeitura de Uberaba para que ela dê o fim que quiser. Mas de forma organizada, fechando combinações e avisando parceiros. O que não pode acontecer é a quebra de contratos e a interrupção de trabalhos de forma unilateral.
O que esse episódio mostra, em linhas gerais? Que nós somos extremamente suscetíveis. A Ciência do Brasil ainda precisa amadurecer muito. As pessoas que administram os grandes órgãos, as grandes estruturas de pesquisa, precisam ter visão muito clara da importância da Ciência no país. Mas o que acontece é que, muitas vezes, esses cargos são ocupados por burocratas que desconhecem a importância dos trabalhos e deixam, aleatoriamente, as coisas delegadas a terceiro e quarto planos. E, conseqüentemente, o Brasil não avança em Educação, em desenvolvimento tecnológico e não gera riqueza de espécie alguma.


Posted by:
Lucimary Vargas
Além Paraíba-MG-Brasil
observatorio.monoceros@gmail.com

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