domingo, 17 de fevereiro de 2008

Estudo indica que água marciana era salgada demais para abrigar vida

CLAUDIO ANGELO-Enviado especial da Folha de S.Paulo a Boston
Que Marte teve muita água em algum momento do seu passado é algo de que poucos cientistas duvidam hoje. Mas quem acha que isso bastou para a vida surgir no planeta vermelho provavelmente vai se frustrar: novas evidências sugerem que os mares marcianos eram tão salgados que poucos organismos poderiam ter sobrevivido àquele ambiente.
As conclusões foram apresentadas ontem pelo paleontólogo Andrew Knoll, da Universidade Harvard (EUA). Especialista na origem da vida na Terra, Knoll tem analisado os dados enviados pelos jipes-robôs Spirit e Opportunity, da Nasa, que passeiam por Marte há quatro anos.
Em uma conferência durante a reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), Knoll afirmou que, na época em que o vizinho da Terra tinha seus mares, há cerca de 3 bilhões de anos, as condições para a proliferação de bactérias "não eram adequadas", diferentemente do que muita gente crê. Isso porque, além de salgadas, as águas também eram ácidas. O pesquisador baseou suas conclusões, que devem ser publicadas em breve em um artigo científico, nos dados enviados pelo Opportunity de uma região conhecida como Meridiani Planum.
O local possui sedimentos que foram depositados pelas águas cerca de 3 bilhões de anos atrás. A análise química desses sedimentos já havia dado a outros cientistas a primeira pista de que o local era um habitat ruim para microrganismos: alguns dos minerais presentes nela só se formam em ambientes extremamente ácidos.
Knoll levou a análise química um passo além, no que ele chama de "pausa para reflexão" sobre os dados dos robôs. "Tem acontecido tanta coisa desde que eles chegaram lá que não houve tempo para parar e refletir sobre esses dados."
Grosso modo, o que o cientista fez foi o inverso do que qualquer pessoa pode fazer em casa com um copo d'água e sal de cozinha. "Quando você coloca sal de cozinha em uma solução, você pode acrescentá-lo até o ponto de saturação. Depois disso ele começa a precipitar [depositar-se no fundo]", afirmou Knoll. De forma inversa, olhando para a concentração de sal nos sedimentos, é possível ter uma idéia de quanto dele havia dissolvido na água, como se isso fosse uma espécie de "assinatura química" do líquido.
Em Meridiani, o principal sal presente era o sulfato de magnésio, a julgar pelos dados enviados pelo robô explorador. A concentração a partir da qual ele se precipita é maior do que a que existe na água do mar, na Terra. "Talvez haja umas duas dezenas de micróbios na Terra que podem tolerar essa concentração", disse Knoll. Aliás, disse, "toda a indústria de preservação de alimentos se baseia no fato de que há poucas bactérias resistentes à salinidade."
Em outra região estudada, o principal sal presente é o sal de cozinha (cloreto de sódio), mas em concentrações muito superiores à da água do mar. Uma bela salmoura para conservar picles, mas um péssimo lugar para surgirem células vivas.
Frio e seco
Outro problema para o surgimento da vida é o tempo durante o qual houve água líquida na superfície de Marte. O surgimento e a permanência dos oceanos da Terra foram fundamentais para a vida. Marte pode até ter tido muita água, mas um número cada vez maior de dados tem apontado para oceanos um tanto quanto efêmeros.
"Acho que há um sentimento crescente na comunidade científica de que Marte tem sido um lugar frio e seco há muito tempo", afirmou Knoll.
"Ter água por duas semanas em um intervalo de um milhão de anos não adianta."

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